
No outro dia tive mais uma matinee em São Carlos. Fui assistir à minha segunda récita do Il Barbiere di Siviglia ('tava fraquito!). Como sempre dirigi-me ao meu lugar ao lado do qual já se encontrava a minha companheira de camarote: uma senhora de perto de 80 anos, com o cabelo já todo branco, mas rija e tagarela até mais não.
Queria partilhar esta situação porque foi das mais caricatas da minha vida. Ora, como estava a dizer, sentei-me no meu lugar, cumprimentei a senhora como é costume e pús-me a ler o livrito que se compra à entrada do Teatro e onde estão as falas e os textos sobre a representação desse dia. A Velha (para não variar!) mete conversa. Eu até a acho simpática e, coitada, até temos conversado. Contudo, desta vez foi diferente. A mulher devia estar com os azeites, um copo a mais, ou, se calhar, tinha dormido com os pés de fora nessa noite. O que é certo é que, nesse dia, deu-lhe para comentar e criticar as vestimentas dos convivas dos camarotes em frente. Divertiu-se a bradar que "devia ser proibido vestir-se daquela forma" e que "a ópera não é para qualquer copeira" até, finalmente (e graças a Deus) as luzes se apagarem e o raio do maestro ("em mangas de camisa" segundo a velha - sim, porque até o vestuário do pobre homem ela cometou!) entrar no fosso da orquestra e iniciar bendito primeiro acto. Desde que cheguei até que os músicos começaram a tocar e os cantores a "berrar" a velha discorreu alarvidades acerca do número de apartamentos que tem em Lisboa e Vila Real de Santo António e do sem número de viagens que faz (porque o genro é piloto-aviador da TAP) à Amazónia e a Las Vegas. O que é certo é que a Velha, cada vez que lá vou, faz questão de dizer que, este ano, faz 80 anos e que acha que, por isso mesmo, tem o direito de dizer seja o que for! Chegou ao cúmulo de dizer "Sempre fui rica" e eu, cada vez mais encolhido só pensava "SEMPRE JULGUEI QUE FALAR DE DINHEIRO DESTA FORMA ERA FALTA DE EDUCAÇÃO" ao mesmo tempo que pedia ao DIVINO para que a mulher não reparasse nos borbotos do meu velhinho blaiser castanho. Quanto ao casaco acho que não tenho de me preocupar porque a Velha é mesmo velha e os 80 anos já hão-de lhe ter diminuido a aquidade visual.
Nisto tudo fico a pensar se a bendita Velha pensa que eu sou rico. Nunca fiz por parecê-lo. Cada vez que entro naquele camarote mentalizo-me de que tenho de falar o menos possível já que a Velha (viúva e, pelos vistos, rica - já me contou a sua vida toda!) precisa de espaço para falar. Por isso, limito-me, a maior parte daz vezes, a acenar com a cabeça e a sorrir, ou então, a meter a cabeça no tal livrito para ver se a Velha se cála e não diz tanta barbaridade.
Um dia destes, quando for eu quem vai à ópera com "os azeites" coloco-lhe a fulcral questão: "Mas você vai à ópera para dizer mal dos outros e dizer que é rica ou para ouvir música????!!!!!".
Onde é que este mundo vai parar? Espero que os ricos deste nosso país não sejam todos assim.
A velha (justiça lhe seja feita) também faz questão de repetir que, "embora seja PSD" tem grandes amigos comunistas e que os considera óptimas pessoas!lolololol Deve dizer isto para se
desculpar (não é o suficiente, infelizmente) ou então com medo que eu seja comuna (se calhar viu mesmo os borbotos no casaco.lolololol).
Queria partilhar esta situação porque foi das mais caricatas da minha vida. Ora, como estava a dizer, sentei-me no meu lugar, cumprimentei a senhora como é costume e pús-me a ler o livrito que se compra à entrada do Teatro e onde estão as falas e os textos sobre a representação desse dia. A Velha (para não variar!) mete conversa. Eu até a acho simpática e, coitada, até temos conversado. Contudo, desta vez foi diferente. A mulher devia estar com os azeites, um copo a mais, ou, se calhar, tinha dormido com os pés de fora nessa noite. O que é certo é que, nesse dia, deu-lhe para comentar e criticar as vestimentas dos convivas dos camarotes em frente. Divertiu-se a bradar que "devia ser proibido vestir-se daquela forma" e que "a ópera não é para qualquer copeira" até, finalmente (e graças a Deus) as luzes se apagarem e o raio do maestro ("em mangas de camisa" segundo a velha - sim, porque até o vestuário do pobre homem ela cometou!) entrar no fosso da orquestra e iniciar bendito primeiro acto. Desde que cheguei até que os músicos começaram a tocar e os cantores a "berrar" a velha discorreu alarvidades acerca do número de apartamentos que tem em Lisboa e Vila Real de Santo António e do sem número de viagens que faz (porque o genro é piloto-aviador da TAP) à Amazónia e a Las Vegas. O que é certo é que a Velha, cada vez que lá vou, faz questão de dizer que, este ano, faz 80 anos e que acha que, por isso mesmo, tem o direito de dizer seja o que for! Chegou ao cúmulo de dizer "Sempre fui rica" e eu, cada vez mais encolhido só pensava "SEMPRE JULGUEI QUE FALAR DE DINHEIRO DESTA FORMA ERA FALTA DE EDUCAÇÃO" ao mesmo tempo que pedia ao DIVINO para que a mulher não reparasse nos borbotos do meu velhinho blaiser castanho. Quanto ao casaco acho que não tenho de me preocupar porque a Velha é mesmo velha e os 80 anos já hão-de lhe ter diminuido a aquidade visual.
Nisto tudo fico a pensar se a bendita Velha pensa que eu sou rico. Nunca fiz por parecê-lo. Cada vez que entro naquele camarote mentalizo-me de que tenho de falar o menos possível já que a Velha (viúva e, pelos vistos, rica - já me contou a sua vida toda!) precisa de espaço para falar. Por isso, limito-me, a maior parte daz vezes, a acenar com a cabeça e a sorrir, ou então, a meter a cabeça no tal livrito para ver se a Velha se cála e não diz tanta barbaridade.
Um dia destes, quando for eu quem vai à ópera com "os azeites" coloco-lhe a fulcral questão: "Mas você vai à ópera para dizer mal dos outros e dizer que é rica ou para ouvir música????!!!!!".
Onde é que este mundo vai parar? Espero que os ricos deste nosso país não sejam todos assim.
A velha (justiça lhe seja feita) também faz questão de repetir que, "embora seja PSD" tem grandes amigos comunistas e que os considera óptimas pessoas!lolololol Deve dizer isto para se

Este texto conta mais um absurdo quotidiano cujo análise mais profunda me faz lembrar um livro que estou a ler e que aconselho a todos vós...e à Velha. Cito Herman Hesse (2005):
«Era o Eu, cujo sentido e natureza eu queria conhecer. Era o Eu, de que eu queria libertar-me, que eu queria vencer. Mas não fui capaz de vencer, apenas de o enganar, de fugir dele, esconder-me dele. Na verdade, nada no mundo ocupou tanto os meus pensamentos como este Eu, este enigma, o facto de eu estar vivo, de existir separado e isolado dos outros, se ser Siddhartha! E sobre nada do mundo sei tão pouco como sobre mim próprio, sobre Siddhartha!...» (HESSE, 2005:46).
«Por vezes, sentia no fundo do seu peito uma voz quase inaudível, que o admoestava baixinho, que se lamentava baixinho, de tal maneira que ele quase não a ouvia. Então, tomava consciência momentânea da vida estranha que levava, daquelas coisas que não passavam de um jogo, da sua boa disposição e alegria enquanto a verdadeira vida passava ao seu lado sem lhe tocar.» (HESSE, 2005:76).
No meu ponto de vista, este episódio traduz as futilidades que, muitas vezes, valorizamos, de uma forma frívola, na nossa vida. Não percamos tempo com isso, é o meu conselho.
Fiquem Bem
HESSE, Hermann - Siddhartha: um poema indiano. 10ª ed. Cruz Quebrada: Casa das Letras/Editorial Notícias, 2005. ISBN 972-46-0918-9
Nota: Escrevi este texto em 2006, mas não resisti em partilhá-lo convosco aqui na Tertúlia. Entretanto já voltei a São Carlos, mas há duas ou três récitas que a velha não aparece...terá morrido? Fica a dúvida...
Já agora: BEM-VINDA DONALDA!
Um comentário:
Realment os 80 anos não lhe permitem dizer tudo o que lhe vem à cabeça...mas se calhar esse é um dos grandes divertimentos dela na ópera!
Postar um comentário