Já que, depois do maravilhoso concerto ao qual assisti ontem no Centro Cultural de Belém (CCB), não encontro, hoje, na comunicação social qualquer referência ao mesmo, venho, desta feita, aventurar-me no processo de análise daquilo que ouvi e vi, aliás, em excelente companhia.
Importa ressalvar que este texto não se constituirá como uma crítica musicológica científica, exacta e absolutamente fidedigna. Trata-se, sim, do meu sentir, enquanto ouvinte deste tipo de música, sem conhecimento teórico, apenas alguém que gosta de música e que tem um ouvido ainda muito inexperiente.
Comecemos por apresentar os intérpretes:
Soprano: Dimitra Theodossiou
Meio-Soprano: Gloria Scalchi
Tenor: Fabio Sartori
Baixo: Maurizio Muraro
Coro do Teatro Nacional de São Carlos, sob a direcção do maestro titular Giovanni Andreoli
Coral Lisboa Cantat, sob a direcção do maestro titular Jorge Carvalho Alves
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Direcção Musical do maestro Donato Renzetti.
Do ponto de vista geral, tratou-se de uma interpretação muito equilibrada no que concerne às dinâmicas, tempo e cores.
Destacar o início do Introitus, com um arrepiante pianissimo pelas cordas e uma coordenação entre todos os executantes (característica, aliás de toda a interpretação). Uma harmonia sonora reveladora de uma maturidade musical característica de uma orquestra experiente e que recebo com grande alegria. Já no Dies Irae, bem como no Tuba Mirum, de destacar a força de uma secção de metais e percussão, mais uma vez muito coerente com a prestação, em fortíssimo dos Coros. Pianos súbitos fantásticos (mérito, também, da brilhante condução de Donato Renzetti) a introduzirem o Baixo Maurizio Muraro que cumpriu com as obrigações da partitura, sem no entanto, e na minha opinião, se destacar. Quanto ao Liber Scriptus proferetur (para mim, a grande prova da meio-soprano ao longo de toda a obra) foi interpretado por Gloria Scalchi com aparentes dificuldades de projecção da voz, resultado, quiçá de uma má adaptação à acústica da sala, ou a uma voz que me pareceu pouco cheia no registo grave e que, por isso, se dissolvia no meio dos vários mezzo-forte e fortissimi da orquestra ao longo de toda a obra. Pena que tenha sentido a necessidade de prescindir dos vibrati, em passagens de registo agudo forte. Para Verdi são imprescindíveis cantoras com timbres mais escuros e redondos, naturalmente, com um registo médio e grave bem sustentados.
Quanto ao Ingemisco, Fabio Sartori interpretou-o com facilidade e boa projecção vocal. Obviamente que o meu ouvido, habituado a ouvir o Requiem em disco e, como tal, através de vozes como as de Pavarotti, di Stefano, entre outros, sente falta de timbres com mais cores e beleza. No entanto, Sartori desempenhou as suas passagens com honestidade e facilidade, mesmo no registo mais agudo e piano.
Gostava, agora, de fazer referência a Dimitra Theodossiou, soprano que temos a felicidade de receber, muitas vezes ao longo da temporada, em São Carlos. Referi atrás que Verdi carecia de vozes escuras e redondas. Este soprano tem, de facto, essas qualidades. Confesso, todavia que me assustei um pouco ao ouvi-la e, depois de reler o seu repertório habitual ainda fiquei mais assustado. A voz tem vindo a ganhar peso e a escurecer, ao mesmo tempo que, na minha opinião (repito: que é falível) ganha um certo descontrolo sobre o vibrato que imprime, nomeadamente, aos agudos, gerando-lhe algumas dificuldades na acuidade da afinação em momentos em que a claridade da nota, mais uma vez em agudo pianissimo, é essencial (refiro-me, mais especificamente ao Libera me). À parte destes pormenores, trata-se de uma timbre muito belo, provavelmente o mais belo dos quatro cantores que se nos apresentaram ontem à noite (se é que é legítimo comparar timbres de tessituras distintas).
Creio, à parte de tudo isto, que as grandes estrelas da noite foram a nossa Sinfónica e os coros e, sobretudo, o maestro. Destaca-se a qualidade dos metais e dos excelentes percussionistas, assim como a doçura das cordas, em especial o concertino, que, na sua curta prestação em solo, já fez valer a noite. É com regozijo e grande orgulho que verifico a excelência da execução da nossa principal orquestra nacional, assim como os dois Coros, ambos conduzidos pela batuta de Renzetti que, nas várias vezes que o escutei em São Carlos nunca me desiludiu. Muito positiva a decisão de o termos como Primeiro Maestro Convidado no Teatro Nacional de São Carlos...prenúncio de muito sucesso e desenvolvimento musical.
Resta-me agradecer à companhia que me (passo o pleonasmo) acompanhou e que espero ter apreciado o momento tanto ou mais do que eu...foi importante.
Que se repita!
Interpretações recomendadas:
CDs:
- Joan SUTHERLAND; Marilyn HORNE; Luciano PAVAROTTI; Martti TALVELA; Wiener Staatsopernchor; Wiener Philharmoniker; SIR GEORG SOLTI
- Herva NELLI; Fedora BARBIERI; Giuseppe DI STEFANO; Cesare SIEPI; NBC Symphony Chorus; NBC Symphony Orchestra; ARTURO TOSCANINI
- Leontyne PRICE; Dame Janet BAKER; Alessandro LUCCHETTI; Jose VAN DAM; Chicago Symphony Chorus; Chicago Symphony Orchestra; SIR GEORG SOLTI
DVDs:
- Angela GHEORGHIU; Daniela BARCELLONA; Roberto ALAGNA; Julian KONSTANTINOV; Swedish Radio Chorus; Eric Ericsson Chamber Choir; Orfeón Donostiarra; Berliner Philharmoniker; CLAUDIO ABBADO
- Leontyne PRICE; Fiorenza COSSOTTO; Luciano PAVAROTTI; Nicolai GHIAUROV; Coro del Teatro alla Scala; Orchestra del Teatro alla Scala; HERBERT VON KARAJAN
- Anna TOMOWA-SINTOW; Agnes BALTSA; Jose CARRERAS; Jose VAN DAM; Wiener Staatsopernchor; Wiener Philharmoniker; HERBERT VON KARAJAN