Passados trinta anos da morte da "Divina", cumpre-me, seu fidelíssimo súbdito, recordar aquela que eu considero a maior voz de todos os tempos. Mais uma vez não se trata da melhor de todas as vozes. Tratava-se, mesmo, de um timbre feio, no fim dos seus dias, dissonante, quiçá estridente nos agudos, inconstante na qualidade ao longo do registo, de vibrato exagerado...mas, sempre, uma grande voz...a melhor à época, hoje e por muitos anos ainda.
Mas perante uma tal descrição, o que me leva a qualificá-la como "a melhor"? O que justifica o título de "Divina"? Socorro-me de um velhinho que todos conhecem, Giuseppe Verdi, que dizia preferir, para as suas ópera, vozes feias mas verdadeiras do que as mais belas mas dramaticamente inferiores. Verdi e Callas não foram contemporâneos, todavia não deixa de ser curioso tamanho paralelismo entre as palavras desse compositor maior e o soprano que Maria Callas foi (é). Porque não houve, até hoje, cantor que transferisse tanta verdade, tanta verosimilhança para o canto como o fez Maria. Torna-se tanto mais importante se atentarmos no facto da ópera ser, talvez, a mais improvável e inverosímil das manifestações dramático-teatrais: canta-se no lugar de falar.
Callas foi, então uma actriz maior, de uma simplicidade invulgares. E porque defendo para a arte o mesmo princípio das ciências que afirma ser mais válida, de entre duas opções que dão resposta à mesma questão, aquela que o fizer de um forma mais simples, reconheço o mérito desta figura, que não descurava um olhar, a posição das mãos, os passos em palco, os movimentos dos membros, da cabeça, a cenografia, os figurinos, a coordenação com os seus colegas, o número de ensaios necessários antes de cada apresentação...ou seja, defendia para si e para a arte, princípios estéticos dos quais não prescindia e que, mercê de interesses de vária ordem, a viriam a associar a títulos de diva (no mau sentido da palavra), intolerante, arrogante, entre outros adjectivos, quando, na minha opinião, ela se tratava de uma profissional sem paralelo.
Contudo, a verdade de que vos falava há pouco é tangível a um nível ainda mais profundo. Ela é observável (porque observação não se faz, somente, com os olhos) no meio que determina a inverosimilhança deste género artístico: a sua voz. As inflexões, as múltiplas tonalidades que conseguía traduzir no seu canto, as próprias deficiências e opções (à partida) erróneas quanto à técnica vocal com que interpretava, davam-lhe a capacidade camaleónica de interpretar papéis de raparigas de dezoito anos, de tuberculosas, de mães destroçadas, de ciganas incandescentes e de, numa mesma ópera emtrês actos, nos conseguir fazer sentir a evolução de uma personagem que no primeiro está feliz, no segundo contacta com a fatalidade do seu destino e no terceiro é colocada face à sua morte.
A sua capacidade faz-nos esquecer que falamos e não cantamos e que o amor também é cantado, assim como a ira, a angústia, a argúcia, a esperança, a saudade, o desespero, a perda, o desamparo, a maldade, a paixão, a coragem, a doçura, o desalento, o despeito, a perseverança...acreditem em mim quando digo que são raros os grandes cantores que possuam tamanho conjunto de matizes na sua voz...eu não conheço mais nenhum.
BRAVA CALLAS.
Gasparzinho
Mas perante uma tal descrição, o que me leva a qualificá-la como "a melhor"? O que justifica o título de "Divina"? Socorro-me de um velhinho que todos conhecem, Giuseppe Verdi, que dizia preferir, para as suas ópera, vozes feias mas verdadeiras do que as mais belas mas dramaticamente inferiores. Verdi e Callas não foram contemporâneos, todavia não deixa de ser curioso tamanho paralelismo entre as palavras desse compositor maior e o soprano que Maria Callas foi (é). Porque não houve, até hoje, cantor que transferisse tanta verdade, tanta verosimilhança para o canto como o fez Maria. Torna-se tanto mais importante se atentarmos no facto da ópera ser, talvez, a mais improvável e inverosímil das manifestações dramático-teatrais: canta-se no lugar de falar.
Callas foi, então uma actriz maior, de uma simplicidade invulgares. E porque defendo para a arte o mesmo princípio das ciências que afirma ser mais válida, de entre duas opções que dão resposta à mesma questão, aquela que o fizer de um forma mais simples, reconheço o mérito desta figura, que não descurava um olhar, a posição das mãos, os passos em palco, os movimentos dos membros, da cabeça, a cenografia, os figurinos, a coordenação com os seus colegas, o número de ensaios necessários antes de cada apresentação...ou seja, defendia para si e para a arte, princípios estéticos dos quais não prescindia e que, mercê de interesses de vária ordem, a viriam a associar a títulos de diva (no mau sentido da palavra), intolerante, arrogante, entre outros adjectivos, quando, na minha opinião, ela se tratava de uma profissional sem paralelo.
Contudo, a verdade de que vos falava há pouco é tangível a um nível ainda mais profundo. Ela é observável (porque observação não se faz, somente, com os olhos) no meio que determina a inverosimilhança deste género artístico: a sua voz. As inflexões, as múltiplas tonalidades que conseguía traduzir no seu canto, as próprias deficiências e opções (à partida) erróneas quanto à técnica vocal com que interpretava, davam-lhe a capacidade camaleónica de interpretar papéis de raparigas de dezoito anos, de tuberculosas, de mães destroçadas, de ciganas incandescentes e de, numa mesma ópera emtrês actos, nos conseguir fazer sentir a evolução de uma personagem que no primeiro está feliz, no segundo contacta com a fatalidade do seu destino e no terceiro é colocada face à sua morte.
A sua capacidade faz-nos esquecer que falamos e não cantamos e que o amor também é cantado, assim como a ira, a angústia, a argúcia, a esperança, a saudade, o desespero, a perda, o desamparo, a maldade, a paixão, a coragem, a doçura, o desalento, o despeito, a perseverança...acreditem em mim quando digo que são raros os grandes cantores que possuam tamanho conjunto de matizes na sua voz...eu não conheço mais nenhum.
BRAVA CALLAS.
Gasparzinho
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