sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Luciano Pavarotti (1935-2007)

Parece-me a mim que, se Deus existir, o céu deve, neste momento, estar em silêncio para se fazer ouvir uma voz que a Terra perdeu ontem de madrugada. Não se trata de uma qualquer voz, nem, tão pouco, da melhor de todas as vozes. Não se trata de um herói, de um santo ou de um demónio. Não se trata de um virtuoso, ainda que nos brindasse, sempre que podia, com a sua virtude. Trata-se de alguém que viveu durante setenta e um anos junto de nós e que, tal como eu e o distinto leitor, tinha gostos, afectos, virtudes, defeitos, ambições, talentos, espírito criativo, perseverança...alguém que viveu a sua vida (e que vida!) e que procurou desfrutá-la o melhor que pôde, com todos os excessos a que teve direito, mas que soube sempre partilhar com quem precisava e, acredito, continuará a partilhar, mesmo depois de nos ter deixado "sós como cães" (fazendo aqui uso daquilo que disse quando o seu pai o "deixou").
Importa compreender quem sentirá o vazio deixado por este "gigante". Não serão somente os velhos ricaços e as velhas com casacos de pele e visôn ao pescoço, com vestidos e estola, os senhores engravatados e empertigados que, mesmo após quarenta anos a frequentar o teatro de ópera continuam a não dispensar a condução do camareiro até ao mesmo lugar que ocupam, temporada após temporada. É também a minha tia, que o conhecia dos "Três Tenores" e que, apesar do timbre cansado e envelhecido pelos anos, continua a dizer que ele é o melhor dos três e que o será sempre, muito embora os ditames da musicologia e ciências afins até digam que o senhor cantava um repertório que não era o mais indicado para as características da sua voz.
Pavarotti faz falta aos colegas do meu pai, que, embora nunca tenham ouvido uma ópera completa por ele interpretada, se recordam do "gordo de barbas negras, sorriso largo, e lenço branco na mão" que cantou com Bono Vox, Bon Jovi, Spice Girls, Tracy Chapman e tantos outros...que cantou a Miss Sarajevo com os U2 quando a guerra na Bósnia Herzgovina era uma presença constante nos telejornais e tantas Miss Sarajevo morriam diariamente.
Pavarotti faz falta às crianças da Bósnia Herzgovina, Guatemala, Kosovo, Libéria, Cambodja, Tibete...e faz falta a tantas outras crianças da guerra que viria a continuar a ajudar. Pavarotti exigia cachêts milionários sempre que cantava: sempre os mereceu e nunca os recusou...mas também deu tanto! Serviu-se do seu estatuto de super-estrela (como nem Maria Callas foi) e fez aquilo que tantos de nós poderiam fazer (não à mesma escala, claro) e não fazem.
Pavarotti faz falta aos seus amigos e à sua família, aos seus colegas, à Música e ao Mundo.
Pavarotti faz-me falta a mim porque, embora ele não seja, na minha opinião, o melhor tenor de todos os tempos, é, com certeza, o maior cantor de todos os tempos...correndo o risco de entrar em contradição. Isto é, ele foi o primeiro tenor que eu venerei e continuo a venerar. Mas no meu percurso fui encontrando outros que me cativaram mais, todavia nenhum deles foi "maior do que a vida", "maior do que a ópera"...Luciano foi-o.

Aqui fica a mensagem de alguém que não está triste pela morte de Pavarotti, mas que celebra a sua vida, a sua maravilhosa e gloriosa vida e que continuará a encantar-se pela forma inconfundivelmente galante com que cantava os pianissimi, os legati, os portamenti e, sempre que podia, nos bombardeava (no bom sentido) com um Dó agudo fenomenal para logo a seguir abrir os seus longos braços e nos abraçar enquanto berrávamos e aplaudíamos como loucos.

Até sempre...ou melhor:

BRAVO LUCIANO!!!


Gasparzinho




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